Ao ocupar o lugar dos valores morais e éticos, a
busca da perfeição corporal é confundida com felicidade e realização, gerando
grandes frustrações.
Quem lucra com essa inversão das prioridades humanas é a
milionária indústria da beleza.
Toda
mulher pode ser bonita. Bastam 15 minutos diários e 5 dólares ao ano em creme
facial.
"Helena Rubinstein fez esta afirmação em 1902, ao lançar na
Austrália seu Crème Valaze, produto que inaugurou o primeiro e um dos maiores
impérios do setor de beleza, consolidado a partir de 1915, quando a empresária
mudou-se para Nova York, onde viveu milionária numa cobertura decorada com
obras de Dalí, Matisse e Picasso.
Já vai um século desde que Rubinstein fez essa
propaganda enganosa. Desde então, a milionária indústria alimentada pelo sonho
da beleza só fez crescer. É um negócio que movimenta bilhões de dólares por ano
em todo o planeta. A receita dessa indústria no Brasil, contando apenas
produtos de higiene, cosméticos e perfumaria, foi de 7,5 bilhões de reais no
ano passado, quase 14% mais que os 6 ,6 bilhões de reais de 1999.
No
campo das intervenções cirúrgicas com fins estéticos o Brasil só perdeu, em
1999, para os EUA.
Em 1994 foram 5 mil cirurgias plásticas em jovens entre 15 e
25 anos. Em 1999, subiram para 30 mil. Crescimento vertiginoso de 600%. No ano
passado, foram mais de 400 mil cirurgias plásticas, a ponto de os que lucram
com as ilusões alheias aguardarem a aprovação do Banco Central para consórcios
desse tipo de cirurgia.
A
obsessão pela aparência é hoje uma das principais causas de estresse e
ansiedade, tornando infelizes e deprimidas pessoas saudáveis que não atingem o
padrão de beleza que a sociedade exige. Beleza inalcançável, já que
especialistas afirmam que parcela mínima da população mundial (entre 5% e 8%)
tem estrutura física para tanto.
A
historiadora Joan Jacob Brumberg, em seu The Body Project - An Intimate History
of American Girls, relatou as angústias e traumas das jovens americanas com a
própria aparência desde 1830.
"A diferença é que, no século passado, as
garotas não organizavam suas vidas em torno de seus corpos. Hoje há uma
substituição do bom comportamento pela boa aparência."
Uma
pesquisa sobre a revista Nova, realizada pela antropóloga Lara Deppe, ajuda a
entender o crescimento vertiginoso da indústria da beleza.
Mostra como se
construiu socialmente a legitimação das preocupações com o corpo e a beleza. O
que antes era futilidade, virou causa de vida e morte.
"Na década de 70,
médicos e cientistas mostravam nas páginas da revista a importância da beleza
física para manter a saúde mental. O cuidado com a aparência foi
cientificamente justificado, migrando do terreno da vaidade para o da
necessidade física e mental".
Antes
atributo da natureza, agora a beleza deve ser conquistada, e é necessário
gastar muito para isso. Exemplo dessa mudança de mentalidade é a gaúcha Juliana
Borges, que passou por dezenove cirurgias plásticas antes de tornar-se miss
Brasil 2001.
A indústria da beleza vive e prospera num vácuo
emocional e espiritual que o pensador norte-americano Cornel West chamou de
"grande desesperança". É o culto ao invólucro tornando-se o próprio
sentido da vida. Vencido o ideal de busca de equilíbrio entre corpo e mente,
restou apenas o corpo, instaurando-se a corpolatria.
Há estreita ligação entre
busca da beleza e frustração sexual, tal como estudada por Wilhelm Reich, para
quem nossa miséria sexual era o maior dos nossos males. Ser belo é ter acesso
ao sexo que se deseja, é a mensagem subliminar mais comum nas propagandas.
O
culto à beleza também incentiva sentimentos pedófilos. São inúmeras as meninas
que vendem sua imagem para revistas e tevês, desfilando corpos virginais por
passarelas do Brasil e do mundo.
Exemplo é a catarinense Poliane Marcel, que
recentemente debutou no São Paulo Fashion Week com 13 anos, idade mais
apropriada para estar num banco escolar.
Segundo
a cientista e psicóloga Nancy Etcoff, a busca da beleza não é uma construção
cultural, tampouco uma invenção do mundo da moda, mas parte essencial da
natureza humana, fato pelo qual todas as civilizações reverenciaram a beleza,
perseguindo-a com mais ou menos ênfase.
Isso é fato. A diferença é que a beleza
nunca foi tão fundamental quanto hoje, e nunca uma indústria valeu-se de modo
tão ostensivo do desejo profundo das pessoas em se identificar com o que há de
mais belo segundo os padrões vigentes.
Recentemente,
a promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf escreveu artigo apontando para o grande
poder dos meios de comunicação globalizados de influenciar pessoas e gerar
obsessões coletivas, como a de buscar uma beleza inatingível. "Com a
neurose estética, a vida perde sentido.
Os neuróticos agem como se a
felicidade, o amor, a emoção, tudo dependesse exclusivamente do corpo e de sua
adequação aos padrões de beleza impostos globalmente.
Mas por mais que se cuide
da aparência física, o ser humano reflete o que lhe vai no interior, e não há
maquiagem que embeleze uma alma atormentada." A indústria da beleza sabe
perfeitamente disso, mas jamais tocará no assunto ao fazer suas propagandas
enganosas.