quarta-feira, 28 de junho de 2017

A ditadura da beleza: mais de 98% das mulheres não se vêem belas

Por dr. Augusto Cury

Vivemos aparentemente na era do respeito pelos direitos humanos, mas, por desconhecermos o teatro da nossa mente, não percebemos que jamais esses direitos foram tão violados nas sociedades democráticas. Estou falando de uma terrível ditadura que oprime e destrói a auto-estima do ser humano: a ditadura da beleza. Apesar de serem mais gentis, altruístas, solidárias e tolerantes do que os homens, as mulheres têm sido o alvo preferencial dessa dramática ditadura. 

Cerca de 600 milhões de mulheres sentem-se escravas dessa masmorra psíquica. É a maior tirania de todos os tempos e uma das mais devastadoras da saúde psíquica. O padrão inatingível de beleza amplamente difundido na TV, nas revistas, no cinema, nos desfiles, nos comerciais, penetrou no inconsciente coletivo das pessoas e as aprisionou no único lugar em que não é admissível ser prisioneiro: dentro de si mesmas. 

Tenho bem nítida na mente a imagem de jovens modelos que, apesar de supervalorizadas, odiavam seu corpo e pensavam em desistir da vida. Recordo-me de pessoas brilhantes e de grande qualidade humana que não queriam frequentar lugares públicos, pois se sentiam excluídas e rejeitadas por causa da anatomia do seu corpo. Recordo-me dos portadores de anorexia nervosa que tratei. Embora magérrimos, reduzidos à pele e ossos, controlavam os alimentos que ingeriam para não "engordar". 

Como não ficar perplexo ao descobrir que há dezenas de milhões de pessoas nas sociedades abastadas que, apesar de terem uma mesa farta, estão morrendo de fome, pois bloquearam o apetite devido à intensa rejeição por sua auto-imagem? Essa ditadura assassina a auto-estima, asfixia o prazer de viver, produz uma guerra com o espelho e gera uma auto-rejeição profunda.

Inúmeras jovens japonesas repudiam seus traços orientais. Muitas mulheres chinesas desejam a silhueta das mulheres ocidentais. Por sua vez, mulheres ocidentais querem ter a beleza incomum e o corpo magríssimo das adolescentes das passarelas, que frequentemente são desnutridas e infelizes com a própria imagem. Mais de 98% das mulheres não se vêem belas. Isso não é uma loucura? Vivemos uma paranóia coletiva. Os homens controlaram e feriram as mulheres em quase todas as sociedades. 

Considerados o sexo forte, são na verdade seres frágeis, pois só os frágeis controlam e agridem os outros. Agora, eles produziram uma sociedade de consumo inumana, que usa o corpo da mulher, e não sua inteligência, para divulgar seus produtos e serviços, gerando um consumismo erótico. Esse sistema não tem por objetivo produzir pessoas resolvidas, saudáveis e felizes; a ele interessam as insatisfeitas consigo mesmas, pois quanto mais ansiosas, mais consumistas se tornam.

Até crianças e adolescentes são vítimas dessa ditadura. Com vergonha de sua imagem, angustiados, consomem cada vez mais produtos em busca de fagulhas superficiais de prazer. A cada segundo destrói-se a infância de uma criança no mundo e se assassina os sonhos de um adolescente. Qualquer imposição de um padrão de beleza estereotipado para alicerçar a auto-estima e o prazer diante da autoimagem produz um desastre no inconsciente, um grave adoecimento emocional. 

Auto-estima é um estado de espírito, um oásis que deve ser procurado no território da emoção. Cada mulher, homem, adolescente e criança deveriam ter um caso de amor consigo mesmos, um romance com a própria vida, pois todos possuem uma beleza física e psíquica particular e única. Essa frase não é um jargão literário pré-fabricado, mas uma necessidade psiquiátrica e psicológica vital, pois sem auto-estima os intelectuais se tornam estéreis, as celebridades perdem o brilho, os anônimos ficam invisíveis, os homens transformam-se em miseráveis, as mulheres não têm saúde psíquica, os jovens esfacelam o encanto pela existência.

Em breve encerraremos nossa vida no pequeno "parênteses" do tempo que nos cabe. Que tipo de marcas transformadoras vamos imprimir no mundo em que vivemos? Precisamos deixar ao menos o vestígio de que não fomos escravos do sistema social, de que vivemos uma existência digna e saudável, lutando contra uma sociedade que se tornou uma fábrica de pessoas doentes e insatisfeitas. É necessário fazer uma revolução inteligente e serena contra essa dramática ditadura. Os homens, embora também vítimas dela, são inseguros para realizá-la.  

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