segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A beleza e seus infelizes

Ao ocupar o lugar dos valores morais e éticos, a busca da perfeição corporal é confundida com felicidade e realização, gerando grandes frustrações. 

Quem lucra com essa inversão das prioridades humanas é a milionária indústria da beleza.

Toda mulher pode ser bonita. Bastam 15 minutos diários e 5 dólares ao ano em creme facial. 

"Helena Rubinstein fez esta afirmação em 1902, ao lançar na Austrália seu Crème Valaze, produto que inaugurou o primeiro e um dos maiores impérios do setor de beleza, consolidado a partir de 1915, quando a empresária mudou-se para Nova York, onde viveu milionária numa cobertura decorada com obras de Dalí, Matisse e Picasso. 

Já vai um século desde que Rubinstein fez essa propaganda enganosa. Desde então, a milionária indústria alimentada pelo sonho da beleza só fez crescer. É um negócio que movimenta bilhões de dólares por ano em todo o planeta. A receita dessa indústria no Brasil, contando apenas produtos de higiene, cosméticos e perfumaria, foi de 7,5 bilhões de reais no ano passado, quase 14% mais que os 6 ,6 bilhões de reais de 1999.


No campo das intervenções cirúrgicas com fins estéticos o Brasil só perdeu, em 1999, para os EUA. 

Em 1994 foram 5 mil cirurgias plásticas em jovens entre 15 e 25 anos. Em 1999, subiram para 30 mil. Crescimento vertiginoso de 600%. No ano passado, foram mais de 400 mil cirurgias plásticas, a ponto de os que lucram com as ilusões alheias aguardarem a aprovação do Banco Central para consórcios desse tipo de cirurgia. 
A obsessão pela aparência é hoje uma das principais causas de estresse e ansiedade, tornando infelizes e deprimidas pessoas saudáveis que não atingem o padrão de beleza que a sociedade exige. Beleza inalcançável, já que especialistas afirmam que parcela mínima da população mundial (entre 5% e 8%) tem estrutura física para tanto. 

A historiadora Joan Jacob Brumberg, em seu The Body Project - An Intimate History of American Girls, relatou as angústias e traumas das jovens americanas com a própria aparência desde 1830.

"A diferença é que, no século passado, as garotas não organizavam suas vidas em torno de seus corpos. Hoje há uma substituição do bom comportamento pela boa aparência." 
Uma pesquisa sobre a revista Nova, realizada pela antropóloga Lara Deppe, ajuda a entender o crescimento vertiginoso da indústria da beleza. 


Mostra como se construiu socialmente a legitimação das preocupações com o corpo e a beleza. O que antes era futilidade, virou causa de vida e morte.


"Na década de 70, médicos e cientistas mostravam nas páginas da revista a importância da beleza física para manter a saúde mental. O cuidado com a aparência foi cientificamente justificado, migrando do terreno da vaidade para o da necessidade física e mental". 

Antes atributo da natureza, agora a beleza deve ser conquistada, e é necessário gastar muito para isso. Exemplo dessa mudança de mentalidade é a gaúcha Juliana Borges, que passou por dezenove cirurgias plásticas antes de tornar-se miss Brasil 2001. 

A indústria da beleza vive e prospera num vácuo emocional e espiritual que o pensador norte-americano Cornel West chamou de "grande desesperança". É o culto ao invólucro tornando-se o próprio sentido da vida. Vencido o ideal de busca de equilíbrio entre corpo e mente, restou apenas o corpo, instaurando-se a corpolatria. 

Há estreita ligação entre busca da beleza e frustração sexual, tal como estudada por Wilhelm Reich, para quem nossa miséria sexual era o maior dos nossos males. Ser belo é ter acesso ao sexo que se deseja, é a mensagem subliminar mais comum nas propagandas.

O culto à beleza também incentiva sentimentos pedófilos. São inúmeras as meninas que vendem sua imagem para revistas e tevês, desfilando corpos virginais por passarelas do Brasil e do mundo. 

Exemplo é a catarinense Poliane Marcel, que recentemente debutou no São Paulo Fashion Week com 13 anos, idade mais apropriada para estar num banco escolar. 
Segundo a cientista e psicóloga Nancy Etcoff, a busca da beleza não é uma construção cultural, tampouco uma invenção do mundo da moda, mas parte essencial da natureza humana, fato pelo qual todas as civilizações reverenciaram a beleza, perseguindo-a com mais ou menos ênfase. 

Isso é fato. A diferença é que a beleza nunca foi tão fundamental quanto hoje, e nunca uma indústria valeu-se de modo tão ostensivo do desejo profundo das pessoas em se identificar com o que há de mais belo segundo os padrões vigentes. 

Recentemente, a promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf escreveu artigo apontando para o grande poder dos meios de comunicação globalizados de influenciar pessoas e gerar obsessões coletivas, como a de buscar uma beleza inatingível. "Com a neurose estética, a vida perde sentido. 

Os neuróticos agem como se a felicidade, o amor, a emoção, tudo dependesse exclusivamente do corpo e de sua adequação aos padrões de beleza impostos globalmente. 

Mas por mais que se cuide da aparência física, o ser humano reflete o que lhe vai no interior, e não há maquiagem que embeleze uma alma atormentada." A indústria da beleza sabe perfeitamente disso, mas jamais tocará no assunto ao fazer suas propagandas enganosas. 


Créditos: Revista Forum

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